| Divulgação/Jet Set Radio/ SEGA |
Para aqueles que não conhecem "Apresentando", é uma série de textos onde busco apresentar aos leitores diversas formas de expressões culturais que se originam dos vídeo games e da comunidade ao seu redor. O intuito é sempre trazer um criador de conteúdo da comunidade abordada e entrevistá-lo, aproveitando para desenvolver o assunto central e conhecer um pouco da cultura a qual o mesmo integra e produz.
Hoje vamos conhecer um nicho antigo, mas que enfrenta certa resistência por parte da maioria dos jogadores, principalmente nos moldes que iremos apresentar, trata-se da prática de colecionar conquistas em jogos, focando na comunidade Steam.
Nosso entrevistado de hoje é designer, criador de conteúdo e um "platinador", conhecido na comunidade como "Dodo"(Douglas). Ele mantém o principal canal sobre conquistas Steam no Youtube, o ShiftTab (há também o canal NerdInverso, onde ele postou algumas análises de perfil, explico mais adiante).
O ShiftTab começou com dois apresentadores, o próprio Dodo e o Cants (possivelmente o maior apaixonado por GTA do planeta), porém atualmente o canal segue apenas com o Dodo. Antes de tornar-se um canal solo, houve uma pausa no ShiftTab e foi aí que as análises começaram no NerdInverso, projeto pessoal do Douglas.
Acho que se faz necessária uma breve explicação de como funcionam as análises e de como funciona a plataforma Steam para quem não conhece. A Steam permite diversas personalizações nos perfis pessoais dos usuários, desde o básico como trocar nome e foto de perfil, até destacar conquistas e jogos específicos, coleções de: cartas, badges, planos de fundo, perfis e outras coisas dos jogos e, em maioria, isso também pode ser destacado no perfil. As análises no canal focam no visual dos perfis dos jogadores, destacando suas personalizações e criatividade. Já a parte de conquistas busca analisar os "jogos perfeitos" (com todas as conquistas desbloqueadas), seguindo para os mais próximos da completude e indicando futuros jogos para "platinar" com base na biblioteca do analisado e em seus gostos.
Deixo aqui um adendo para evitar confusões, "Platina" é um termo que surgiu no ambiente PlayStation e se refere ao troféu exclusivo da plataforma que serve para indicar que você completou as conquistas de determinado jogo, mas por ser popular e pela praticidade do termo, acabamos usando nas demais plataformas também.
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Entrevista
Por isso, minha busca por platinas e conquistas
está muito mais ligada à sensação de aproveitar 100% de um jogo. Especialmente
hoje, com os jogos virando um produto de luxo com preços absurdos, sinto que
buscar a platina é uma forma de fazer o investimento valer a pena.
O mais importante da minha vida, sem dúvida, é Jet
Set Radio. É um jogo onde controlamos uma gangue de grafiteiros que andam de
patins em um Japão autoritário que tenta impedir o grafite nas ruas. Esse jogo
é pura personalidade. A trilha sonora é marcante, o visual é estiloso, cada
personagem é esteticamente único, e a experiência é totalmente singular.
Acredito que foi ele o responsável por despertar meu gosto pela arte e a busca
por ser autêntico.
Outro que reformulou totalmente minha forma de
jogar foi a série Mass Effect. Antes dessa saga de RPG espacial, eu não curtia
muito o gênero. Mas, ao ter contato com aquele mundo complexo e intrigante,
senti uma vontade imensa de saber mais e mais sobre o universo apresentado.
Isso mudou a forma como eu consumo games: hoje em dia, eu leio artigos, assisto
a vídeos e busco conteúdo dos próprios desenvolvedores para ficar mais imerso
na história que eles querem contar.
E, por último, Silent Hill 2. Em termos de qualidade, esse jogo é impecável: tem uma história incrível, ambientação perfeita e é um clássico do survival horror. Mas o destaco aqui porque ele foi o responsável por me fazer criar meu primeiro canal no YouTube, onde fiz um detonado entre 2008 e 2011. Eu já tive vários canais depois, mas o jogo que me deu o pontapé inicial em toda essa jornada de criação de conteúdo foi o SH2.
O problema é que, no começo, eu não consumia tanto
conteúdo sobre o hobby e não fazia ideia dos perrengues que a galera que busca
100% na plataforma enfrenta. A maior dificuldade, de longe, é a negligência da
própria Steam. Eles simplesmente ignoram quem tem esse foco.
A indústria é gigantesca hoje, mas a gente não
pode esquecer que nem sempre foi assim. As comunidades foram, e continuam
sendo, o que engaja a galera de verdade e que cria aquele senso de
pertencimento, de fazer parte de uma "tribo".
Essa "tribo gamer" é enorme e tem várias
ramificações: tem a galera do speedrun, quem joga competitivo, os caçadores de
conquistas (que é o nosso foco), e por aí vai. A comunidade gamer em si já é
super consolidada.
O desafio de verdade agora é outro: é conseguir
manter uma comunidade saudável e que não seja tóxica, como infelizmente a gente
vê muito hoje em dia. O foco tem que ser na qualidade da interação e no
respeito para que a gente continue crescendo de forma positiva.
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6.Você acredita que realizar Platinas fez você aproveitar melhor os jogos?
Ainda mais hoje em dia, que um jogo AAA custa R$
350 ou mais. Eu acho que é fundamental a gente aproveitar cada pedacinho do
jogo para ter um retorno decente daquele valor que foi investido. É uma forma
de dizer: "Paguei caro, mas valeu cada centavo e cada hora gasta."
Infelizmente, o que mais impulsiona essa cultura
hoje é o consumismo. As grandes empresas estão plenamente cientes disso e
exploram intensamente a Síndrome do Medo de Ficar de Fora (FOMO - Fear of
Missing Out). Isso cria um ambiente de constante pressão para que o gamer
esteja sempre comprando e gerando hype para futuros lançamentos. Eu entendo que
esse entusiasmo é necessário para manter a indústria aquecida e em movimento,
mas o problema surge quando ele é construído em torno de preços abusivos e de atitudes
anti-consumidor que as grandes corporações insistem em adotar.
Consequentemente, muitos dos grandes eventos
atuais acabam sendo mais focados em compras e ativações de marca, servindo como
plataformas para as empresas tentarem capturar a atenção dos jogadores.
Atualmente, existe um movimento crescente de
pessoas "anti-platinas", e isso acontece porque a narrativa fora da
nossa bolha de colecionadores é frequentemente negativa. Raramente o hobby é
noticiado por seu aspecto positivo; geralmente, o que viraliza é o lado ruim,
como o relato de alguém que perdeu a satisfação de jogar devido à obsessão por
conquistas. Isso, é claro, influencia negativamente a percepção pública e
afasta novos interessados.
No entanto, é fundamental sermos justos: o nosso
hobby carrega problemas internos sérios. Observamos inflexibilidade com novos
membros, excesso de ego e, por vezes, uma cultura de exclusão. A comunidade é,
por exemplo, extremamente dura e inflexível com quem é pego utilizando hacks ou
trapaças para desbloquear conquistas. Embora a ética seja crucial, essa
seriedade exagerada e a inflexibilidade em outras situações acabam transmitindo
uma mensagem negativa para quem está de fora. Levamos o hobby a sério demais, e
essa rigidez, paradoxalmente, atrai menos pessoas.
Acredito que a solução para a popularização reside
em uma mudança de postura: precisamos transmitir melhor os valores positivos do
colecionismo (como o desafio, a longevidade do jogo e a dedicação), ser mais
inclusivos e cultivar uma comunidade menos tóxica. Se conseguirmos reverter
essa percepção e mostrar o lado saudável do hobby, talvez os desenvolvedores e
as empresas passem a enxergá-lo com outros olhos e, pelo menos, parem de
advogar indiretamente contra ele.
E é aí que a personalização do perfil entra, sendo
a forma mais forte de a galera se expressar culturalmente e socialmente ali
dentro. As opções de customização são vastas (dá pra mostrar as conquistas mais
raras, exibir badges e usar aqueles fundos de perfil irados). Isso permite que
os usuários transmitam a personalidade deles, os gostos e, claro, deem um
destaque especial aos maiores feitos (que é o nosso foco).
Essa personalização pode parecer bobeira, um mero
detalhe cosmético, mas, na minha opinião, é o fator crucial na fidelização do
público na plataforma. As outras lojas presentes no PC erram feio nisso,
focando puramente na transação de venda. A Steam sacou que não basta só vender
o jogo, é preciso fidelizar. É essencial criar um ambiente que estimule a
expressão individual, a interação social e a lealdade, fazendo com que a
plataforma se torne uma extensão da identidade do jogador.
10.Você acompanha Esports, speed runs ou outras comunidades de games?
Neste último, cheguei a participar de um
campeonato jogando de Tank com o meu antigo parceiro de canal, o Cants. E teve
até uma experiência como comentarista em outro torneio!
Hoje, o foco nos competitivos sérios acabou. Ainda
dou umas brincadas em jogos de luta porque gosto muito do gênero, mas jogar de
forma séria, nunca mais. Dá muito estresse, haha.
Mas, focando na sua pergunta, sim, existem jogos
que são claramente mais artísticos, onde a visão do desenvolvedor é respeitada
e entregue de uma forma mais "pura". Aqui, estamos falando
principalmente dos jogos indies, que costumam ser mais autênticos do que os
grandes títulos AAA.
Jet Set Radio, por exemplo, mesmo sendo de uma
empresa grande, é um jogo cheio de personalidade. Ele entrega essa visão de
forma forte no visual, na trilha sonora e até na história que, apesar de
simples, mostra exatamente o que os criadores queriam.
Sayonara Wild Hearts é outro que é esteticamente
maravilhoso e focado na música. É um jogo de ritmo, mas, na real, funciona como
um álbum musical jogável. Cada fase, cada beat, transmite perfeitamente a ideia
da música. É um jogo incrível.
E, por fim, Spiritfarer. É um jogo lindo que
aborda o tema mais temido por nós, a morte. A forma como o jogo trata isso é
emocionante e nos leva a reflexões muito reais. A dica que dou é: jogue em uma
fase boa da vida. Mesmo sendo visualmente leve, ele toca em temas bem
sensíveis.
Por exemplo, quando a gente precisa fazer o 100%
de um jogo que já está com o online morto, fazemos o famoso boost. Essa prática
te obriga a interagir com mais gente do mesmo meio, e a partir daí a coisa
cresce.
Lá no nosso Discord, o ShiftTab, temos regras bem
definidas. A gente bane dos nossos eventos as pessoas que usam hacks para
desbloquear conquistas. Mas o nosso diferencial é este: a gente não crucifica
nem trata essa pessoa mal. No ShiftTab, acreditamos que a melhor forma de
"reabilitar" um cheater de conquistas não é com hostilidade. Pelo
contrário, tentamos mostrar para ele que não faz o menor sentido trapacear só
por ego, ou seja lá o que for que motive um hacker de conquistas a fazer isso.
Mas, apesar da correria, eu sempre reservo um
tempo para cuidar da saúde física e mental. Faço musculação e pratico boxe,
porque o homem não vive só de games, né?
O resto do meu tempo livre é inteiramente dedicado
à minha família.
Recomendações de Mídias para Me Conhecer Melhor:
Como a minha rotina é muito voltada para a
produção, o que eu consumo está quase sempre ligado ao meu trabalho (games,
arte e design). Para me conhecer melhor, eu recomendaria as seguintes obras que
me inspiraram:
Filme: Alien: O Oitavo Passageiro (1979). Amo o
clima de tensão, a estética "futurista do passado" (retro-futurismo),
o design impecável do antagonista feito por H.R. Giger, e a protagonista forte.
É uma obra que me inspira em termos de ambientação e design.
Livro/HQ: Duna, de Frank Herbert. Este livro é fascinante, especialmente por sua influência gigantesca em toda a cultura pop, que se sente até hoje. Sou fascinado por como a história é macro, política e, ao mesmo tempo, profética.





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